quarta-feira, 27 de junho de 2012

conjunto escultórico megalítico / síntese descritiva



Conjunto escultórico megalítico 

Sete blocos de pedra com formas petroglíficas formam um círculo mágico com seu portal virado a nascente.
Na face exterior, o lado terreno, definido por elementos esculpidos em alto relevo, são a ligação do homem à mãe Terra, iluminada pelo Sol.
Na face interior, o misticismo, representado por figuras de deuses em baixo relevo que caminham na Terra sob o obscuro mistério da Lua.
O círculo mágico encerra dentro de si uma mesa…
Mesa mágica de agradecimento pelas dádivas ao universo e à vida…

Mealhada 21 – 06 - 2010

NOTA: 
Este projecto, de autoria de Armando Martinez, foi executado por ele próprio, com a colaboração de três escultores seus amigos: Fernando Martins, Santos Carvalho e Xico Lucena.

Vista geral com constelação de menhires ao fundo



Do druidismo e da cultura céltica, do coração antiquíssimo da idade da pedra, vem visitar-nos a sugestão de um espaço diferente de todos os outros, mescla inventada por um escultor habituado a calcorrear serras em busca de fósseis de todos os animais desaparecidos há milhões de anos, pedras ornamentais, blocos maciços de pedras duras ou duríssimas de todas as cores e consistências, picadas à mão com esforço doloroso ou cortadas à máquina, conforme a altura, a espessura e a tonelagem.
Espaço diferente de todos quer dizer: espaço igual apenas a si próprio, inventado pela sugestão de tempos apenas imaginariamente concebíveis, feitos por homens que apanhavam animais ferozes à mão, que se protegiam do frio com as peles curtidas desses animais e que acabavam por desenhá-los um dia na pedra, como desenhavam o sol ou a lua, a vulva materna fundamental, o guerreiro, o caçador, o gamo, os peixes e todas as coisas principais, com perfil de antemão concebido para enfrentar milénios.
Tais homens existiram e deixaram sinal de si como talvez muito poucos agora consigam fazê-lo, emaranhados no novelo da multidão confusa de tudo o que não pára na cabeça, porque não descansa no olhar tempo suficiente e não ganha direito ao silêncio merecido pela contemplação íntima.

É preciso talento sentimental de humanidade para sonhar vidas como essas, diferentes de tudo que podemos imaginar no precipitado quotidiano destes dias.
É preciso uma enorme ternura de solidariedade, um poética energia da memória, e a vontade de viajar no tempo quem sabe, para nos lembrarmos lucidamente do que fomos nós mesmos nessa remota fúria original.

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Costa Brites e Armando Martinez


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Os meus parabéns aos cidadãos da Mealhada 

As minhas felicitações ao povo da Mealhada são a resultante da visão apreciativa que me mereceu uma obra do património monumental doravante entregue à utilização de todos que ali vivem.
O monumento está ali, desafia o olhar de quem observa e responsabiliza também o cidadão que passa. Se é notável na sua concepção, se está bem enquadrado na natureza organizada pela mão do homem, deve ser estimado e, mais do que isso, deve merecer um comentário. A indiferença dos cidadãos pelas obras públicas que favorecem a sociedade de forma objectiva, contribuem para a desmoralização de quem as imaginou, realizou e promoveu à condição de objectos reais.
Tendo buscado na internet (que é onde está tudo) não consegui saber a respeito dessa certa obra monumental nada mais do que o trivial das declarações de inauguração, em notícia mínima. Esta fraca documentação de uma peça monumental é aliada muito útil da indiferença dos cidadãos, que acima menciono em resumo. Se a obra tem valor, se foi erigida com consciência e determinação, o esclarecimento deve estar presente de forma mais explícita, e o recado da sua importância deve ter sido passado antes − de modo que, passando um grupo de crianças e de professoras por ela, não possa talvez dar-se o caso de que nem umas nem outras – a desconheçam, como se fosse coisa ausente.


Parabéns pois aos cidadãos da Mealhada porque dispõem, num sítio espaçoso e, para já, muito belo, de um lugar óptimo para fazer congressos, ou convénios, ou festivais, ou qualquer outra coisa destinada a amantes da cultura, das artes e dos lugares como matéria do sonho e da visão retrospectiva da longuíssima aventura dos homens sobre a terra.
Fiz o meu juizo, tirei as fotografias, mostro-me com gosto ao lado do artista, cumpri o meu dever de cidadania da sensibilidade.
Espero agora que todos os cidadãos da Mealhada cumpram a sua parte. Apreciando o que deve ser apreciado, vivendo a vida com gosto, tomando o Sol ou uns pingos de chuva que também faz falta, passeando com os amigos ou com a família, ou solitariamente se assim for desejável e propício à temperatura da alma, deixando o coração bater ao ritmo que puder com a serena consciência do prazer de estar e de ser.

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Texto de José Machado Lopes, arqueólogo e amigo do artista

encontro marcado com o Sol no solstício do Verão, às 6 horas da manhã
Em boa verdade, toda a Arte nasceu com a primeira pedra talhada pelas mãos do caçador – recolector pré-histórico.
Pela Arte, os nossos primitivos ancestrais foram desenvolvendo o intelecto e, paradoxo, foram-se afastando da Natureza que lhes deu a pedra bruta, até ao ponto de a Arte ganhar autonomia.
Assim e hoje, o valor profundo da Arte reside no facto de ser algo de concreto – uma obra “inventada”, não “criada”, na qual o Artista traduz a essência mais íntima de tudo quanto o rodeia. Obra semelhante a uma ponte suspensa construída, peça  a peça, pelo Artista sobre os abismos do coração humano, por gozo infindo de descobrir os segredos da matéria e de a humanizar.
Trazer ao frondoso Parque da Cidade de Mealhada um conjunto megalítico é privilégio de que poucos se darão conta. Toda  a obra de Arte tem algo de sagrado, de miraculoso, de exorcismo, de telúrico.
A História fala-nos de uma imensidão de civilizações extintas de que perdemos o rasto consciente, mas que continuam a “viver” nas profundezas obscuras da “alma colectiva”.
Os três Artistas cooperantes neste projecto de Armando Martinez (Fernando Martins, Santos Carvalho e Xico Lucena), possuem plena consciência de pertencer à História, pois souberam penetrar os tais caminhos secretos da invenção artística.
Este impressivo monumento que trouxe até nós a mensagem druídica e mediúnica, merece ser considerado como a mais alta expressão da nossa Humanidade, porque marca a vitória do Homem rumo à sua possível verdadeira liberdade.
José Machado Lopes

espaço consagrado / memória indecifrável do tempo

coroando os megálitos, do lado exterior - o Sol; do lado de dentro - a Lua





As coisas de pedra antiga são enormes, por dentro e por fora. Antiga é toda a pedra, claro, mas eu quero dizer com isto o sentimento, a força interior que as anima e que sugerem. Os litorais, a todo o seu comprimento, foram passeados durante milhares e milhares de anos por multidão de seres que deixaram marcas que teria interesse conhecer e estimar. Pelo que foram e pelo que poderiam continuar a ser, doutro modo. Esses litorais têm sido, nos últimos séculos, e sobretudo no mais recente, literalmente arrasados pela “civilização”, pelo “progresso”, pela explosão da “riqueza” (explosão é neste caso uma palavra terrível, temos que convir).

O conjunto escultórico megalítico de Armando Martinez, dá-nos a oportunidade de evocar coisas que nunca soubemos, mas que estão profundamente impressas lá muito atrás, na nossa indestrutível reserva de humanidades. 

o escultor Armando Martinez, no centro do espaço consagrado pela memória do ancestral

Um artista com a estatura de um adolescente magrito, mas de braços vigorosos, que se barbeia apenas uma vez por semana, tem ganas para se medir com pedras de não sei quantas toneladas, de não sei quantos metros de comprimento e com não sei quanto de espessura pesada como pedra, só pedra.
O parque da Mealhada tem grupos de meninos que por ali passeiam, acompanhados de professoras cuidadosas, que olham para aqui e para ali, que se sentam ou passeiam ou brincam simplesmente como devem sentar-se, brincar e passear quaisquer meninos.
Agora era preciso contar a todas as pessoas da Mealhada como foram trazidas para aqui e que histórias contam pedras tão altas e solenes, e de que homens e de que épocas falam.

Ali ao fundo, por detrás do escultor, um alinhamento de menhires, rasto de estrelas que se destaca da constelação principal de forças maiores - megalíticas - e que está ao centro do espaço já consagrado pela imaginação, Estrela Polar do sentimento

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o visitante pode clicar em todas as imagens, para poder vê-las maiores

Várias colunas encimadas por lages feitas arquitraves, todas elas diferentes no seu toque e na sua nobreza de material lítico, de cor quente e solar, arrancado às pedreiras com esforço mecânico denunciado pelas várias técnicas possíveis, formam uma estrutura diferente de tudo o que pode ter visto a antiguidade.
Ou seja, o monumento este não é da antiguidade, é de hoje, inventado, recriando apenas sem ser copiado de lado algum senão da memória, um espaço como um recinto de celebrações, assembleias rituais, encontros requeridos pelo sentimento, pela gravidade de hábitos, pela necessidade da oração.
E por isso A MESA, de onde A ÁGUA dos milagres que lava os pensamentos inóspitos e limpa a alma de sentimentos indesejáveis, foge algures por entre a pedra, para cada uma das colunas que erguem o recinto, suas simbologias e visões.


a mesa/altar das oferendas, receptáculo das águas propiciatórias  


reparar também na plasticidade das diversas texturas do trabalho na pedra

as palavras solenes e indecifráveis da antiguidade




maternidades, danças, figuras do sol e da lua, e - por questão de escala - a figura do artista que mede forças com os colossos de pedra



Já por várias vezes me encontrei com petróglifos. Acho-os um espanto, sobretudo naquilo que a seu respeito é impossível saber – e é tudo, não tenhamos ilusões. Não é preciso procurar muito para mergulhar em infinitas congeminações a respeito do que significam. Fazem-me tonturas, as leituras eruditas a respeito do significado dos petróglifos.
Os homens que os fizeram, se tivessem nascido aqui e agora, surpreendiam-nos talvez com a sua capacidade de entender as coisas e muito certamente nos surpreenderiam com os enormes recursos que a vida árdua e difícil lhes permitiu desenvolver. Não sei se os petróglifos, para eles, terão sido o que nós julgamos ou melhor – sentimos – quando nos atinge a vertigem de milhares de anos de distância, casada com a sua inteligência estético-simbólica em tudo hercúlea.
Que são realizações profundamente animadas pela seriedade insondável da mente e pelo querer medir forças com a eternidade, disso não tenho dúvidas. Quanto ao labor arqueológico dos homens de hoje e à sua coragem de sabedoria, tiro-lhes o meu chapéu. Quanto ao autêntico e estrito significado de muitas coisas que ali vemos fico-me, com o devidíssimo respeito, pelo prazer de olhá-las.